Ideias para Debate

Thursday, November 24, 2005

Chamada de atenção

O Companhia de Moçambique está, de novo, activo. Para quem gosta de imagens antigas do país há ali coisas de muito interesse.
É só clicar na coluna aqui mesmo ao lado.
Bom recomeço!

Wednesday, November 23, 2005

Ainda as definições

O Patricio Langa entra também no debate:

Do problema da definição a definição do problema.

Tenho estado a acompanhar este debate sem, no entanto, emitir a minha
opinião. Diante dos últimos desenvolvimentos no debate acho pertinente a
presente intervenção.
Acho que o Elísio Macamo esta ser mal compreendido. Sem querer resumir as
diferentes posições que tem sido adoptadas representadas basicamente pelo
Elisio, por um lado e o Machado, por outro lado, gostava de me referir ao
último comentário no blog, o do CIPRIX.

Não consigo perceber da leitura que efectuei dos textos do Elisío em que
momento ele sugere que se busque por uma definição “essencial-ista” para o
termo corrupção. Assim sendo, não vejo necessidade do recurso a filosofia da
linguagem e todas as outras disciplinas mencionadas pelo caro CIPRIX. Quando
o Elísio clama pela clarificação do que chamamos por corrupção esta apenas,
no meu entender, a fazer um exercício básico necessário a qualquer debate
que se quer racional. O que estamos a dizer quando dizemos corrupção? O
mesmo exercício fê-lo Durkheim com relação ao termo suicídio. A que conjunto
de fenómenos refere o termo suicídio? Quais as características (indicadores)
da presença desse fenómeno? Esse tipo de perguntas abala a certeza que
pensamos ter sobre certos fenómenos. Aquilo que nos parecia tão familiar,
afinal, não é bem assim. Colocar esse tipo de perguntas não é buscar
essência alguma. Estamos, em linguagem simples, a criar condições para que
tenhamos um conceito que nos permita, então, estabelecer os critérios que
definem a existência desse fenómeno. Quando o Elisio, de forma ousada,
declara a não existência da corrupção está a simplesmente a dizer que neste
debate não saímos ainda do uso quotidiano e sem algum rigor do termo. Isso
dificulta, se não mesmo, impossibilita um debate sério. Um termo corrompido
pelo seu uso quotidiano, significando coisas que não conseguimos já delimitá-
las. É imprescindível esse exercício sob pena de não haver um acordo sobre o
que se esta a falar.

Ainda que não considerando o que acabo de expor no parágrafo anterior,
considero que a proposta do Elísio vá para além da simples definição do
termo corrupção. A sugestão no meu entender é de definirmos aquilo que
chamamos de corrupção como um problema essencial que afecta o nosso país e
que por isso merece toda prioridade. Não só não está claro ainda o que
designamos por corrupção, assim como porque essa tal coisa deve constituir o
problema central a atacar para que nosso país se desenvolva. Portanto, não
se trata de um problema de definição mais da definição do problema.

E fico por aqui.
Patrício Langa
Maputo, 23/11/05









Carta ao Cardoso

Do Pinto Lobo recebi o seguinte texto. Pelo que ele me diz não é o autor nem identifica quem este seja, mas o texto parece-me valr por si, seja quem for que o tenha escrito:

Dedicado aos que continuam imunes e que

não naturalizaram a acção dos “padrinhos”

que avançam, mascarados, ceifando vidas.

Carta aberta ao meu amigo Cardoso

Já a noite ia avançada quando tomei conhecimento da crueldade da tua morte. É assim, os senhores do crime não se expõem à luz do dia, actuam no crepúsculo, nunca matam com as suas próprias mãos. E contigo não poderia ser diferente.

Primeiro não acreditei pois parece-nos impossível, que um dia, a nossa terra nos possa engolir pelas mãos de terríveis predadores que nela foram nascendo e crescendo e a quem já não reconhecemos o rosto e o gesto.

Num segundo momento corri para o telefone e procurei uma voz nossa amiga a quem pudesse demonstrar, desabridamente, o desespero e a angústia que me invadia naquele momento. Confesso que, bem no fundo de mim, lá onde só a imaginação de uma criança consegue encontrar um final feliz para uma história de bruxas e de terror, eu esperava que ela me desmentisse tamanha barbaridade. Mas não foi isso que aconteceu.

Chorámos-te ao telefone. Mais tarde, na solidão em que vivi a tristeza da tua perda, senti como se uma onda gigante me envolvesse e apagasse. A crescente degradação social e as mortes que já vinham sucedendo antes da tua, iam-me a pouco e pouco sufocando; a racionalidade foi dando lugar a uma tristeza profunda e a um turbilhão de emoções contraditórias, a quem os psiquiatras atribuem nomes sonantes de depressão, obsessão e outros mais.

A forma como tu nos deixaste arrastou-me para um silêncio profundo, foi como se desistisse de mim por um tempo e hibernasse para descansar, arrumar as ideias e recuperar forças pois devia-te uma resposta.

Mas como disse Dostoievski “cada um de nós é responsável por tudo, perante todos”, por isso decidi usar as tuas armas, as palavras, contra a cobardia dos que te mataram, se calaram e esconderam as mãos e a cara.

Neste momento sinto-me como se estivesse a nascer de novo, irrompendo do ventre de uma mãe que me sufoca à saída mas que eu, rasgando-a brutalmente, me liberto e saio, soltando um grito amargo de dor. Mas a pouco e pouco o grito se vai transformando num choro de criança que nasce para a vida, cheia de esperança e de amor para dar. E é assim, timidamente e com ternura que começo a recordar o dia em que te conheci. Timidamente pois não sei se estarei à altura de poder recordar a tua estatura como homem íntegro e corajoso que eras. Com ternura porque cresceste e te transformaste na personagem principal de um qualquer conto de fadas que traz a toda a criança um sono repousante, mas também um despertar pleno de energia, de força e de vontade de viver como herói.

E um dia tu apareceste e logo me surpreendeste. Tu eras um poço de surpresas!


Lembro-me do jovem irrequieto que eras, dos teus longos cabelos até aos ombros que envolviam um rosto vivaço, do teu riso escancarado, do teu olhar crítico e ávido de aprender e de compreender o mundo e como te foste transformando num homem de corpo inteiro, de coração aberto, cuja intensidade de entrega aos teus ideais, à luta por uma vida digna e à tua profissão nunca conheceram limites.

O teu carinho pelos amigos estava sempre presente, num beijo, num abraço e a tua alegria invadia as festas, onde tu, dançando, varrias as salas sem te cansares.

Contigo vivíamos uma imensidão de sentimentos. Nos momentos mais difíceis vinhas com palavras de esperança e de solidariedade, incitavas-nos à luta constante, propunhas a todo momento soluções políticas possíveis e acenavas-nos, um tanto ingenuamente, com projectos de uma África Austral poderosa, independente e incorruptível.

Ensinaste-nos que a luta por um ideal se faz com trabalho árduo, com perseverança, com recuos, mas também vivendo a alegria das pequenas vitórias alcançadas.

O nosso projecto era fascinante e nós vivíamos para ele! Chamem, se quiserem, de utópico. No dia em que deixarem de existir utopias, como ponto de chegada de qualquer viagem, num tempo qualquer, morremos como homens que pensamos, que lutamos, que sonhamos, que amamos e que criamos; e o sentido profundo da vida perde-se. As utopias fazem mover o mundo.

Quando tomamos nas nossas mãos a concretização de um processo de mudança para o desenvolvimento, nos preparamos para vencer os obstáculos e afirmamos a nossa vontade perante o mundo, somos capazes de construir uma sociedade aberta, próspera, livre e justa. É sinal que estamos vivos e que não nos satisfazemos com o “estatuto de pedinte”, mas queremos agarrar o futuro pelos cornos. Era assim que tu pensavas!

Mas o motivo que me levou a escrever-te não foi só uma homenagem a um grande amigo e um desabafo; é também um acto de denúncia e uma necessidade de encontrar uma resposta para a pergunta que, constantemente, me martela a cabeça. Por que razão deixaste de ter lugar na sociedade moçambicana?

Torna-se bizarro quando recuamos na nossa história e nos lembramos que sempre repudiámos o governo colonial por ter conseguido manter a guerra e o poder, aplicando o princípio “dividir para reinar”. No entanto, hoje, já sem “estranhos” a reinar entre nós, parece que, em nome do poder, passámos a agir segundo o lema “matar para reinar”.

Cardoso, alguma vez acreditaste que serias tu um dos que daria corpo a este princípio?

Houve um tempo em que os homens do poder te consideraram um jornalista conceituado, bem informado, eras mesmo o porta-voz oficial da informação sobre Moçambique, consideravam-te uma referência.

Estávamos no período pós-independência, de grande exaltação patriótica, da construção da unidade nacional, de uma Nação; a solidariedade internacional pelos que lutavam pela liberdade era um ponto de honra e a aposta no desafio do desenvolvimento era a energia que nos movia. Tudo isto tu vivias e defendias com todo o teu vigor.


Mas a História não nos concedeu tempo suficiente para reunirmos forças para o combate por uma mudança solidamente sustentada. E até o timoneiro que nos conduzia neste projecto tombou, prematuramente, deixando-nos à deriva.

Na altura, a sociedade parou por instantes, surpreendida com tamanha perda. Em ti e em cada um de nós foi crescendo um vazio profundo, ao qual cada um tentou reagir à sua maneira. Uns nunca mais se encontraram, outros deixaram-se levar pelos seus devaneios e houve quem, com o tempo, se reencontrasse. Para esses foi como que um despertar inesperado, inadiável, transformado em crítica mordaz contra os grupos de poderosos que se vão instalando e proliferando pelo nosso País, semeando a desilusão, o terror e a morte.

E tu, corajosamente, apontaste-lhes o dedo. Foste atrevido, arriscando a tua orelha ou mesmo a tua mão, ao denunciares certas acções criminosas e corruptas. Mas para eles não era suficiente e preferiram esmagar-te a cabeça.

Esperavas tu, Cardoso, que algum dia tal violência fosse, descaradamente, permitida? Nem tu, nem ninguém!

É este facto que não pode ficar impune e é necessário continuar a perfurar a ferida até onde ela fede e aí aplicar-se um tratamento adequado, sem medo, pois a cada minuto, em Moçambique, nascem e vivem centenas de Cardosos que pensam como tu.

Qualquer acto de intimidação desejado e montado, através do aparato em torno do teu assassinato, passou ao lado, e no lugar onde tombaste nasceu um mar de flores, permanentemente renovado. Em cada uma delas cresce a voz dos que exigem justiça e dos que repudiam as operações de cosmética que envolveram a captura de alguns “candidatos” a autores de um crime que esconde a existência de uma rede criminosa que actua em várias frentes e encobre a face dos que a apadrinham, gerando cumplicidades que constituem a única explicação para os vários crimes sem cara que se vão tornando já num hábito.

Mas não basta prender e interrogar os criminosos, é necessário que a sentença para tais actos seja, exemplarmente, cumprida e não constitua uma máscara, já diversas vezes usada, que ao fim de algum tempo cai, fazendo com que nos cruzemos em qualquer canto com aqueles que já planeiam a próxima vítima a abater.

Os senhores do crime sabem como e a quem pagar ou comprar a sua absolvição. Conhecem também o montante necessário para que um qualquer carcereiro lhes abra a porta para iniciarem novos ciclos de projectos criminosos. Esta é a forma como estes grupos actuam e vão estendendo os seus tentáculos, a coberto de uma lei e de uma ordem que parece recear chegar às últimas consequências.

E tudo isto se faz à sombra de um governo complacente ou omisso?

Será que a segurança do cidadão moçambicano ainda se encontra nas mãos de um governo actuante e responsável ou estará à mercê de decisões assassinas de um grupo de bandidos?

Terá perdido o governo e as suas instituições a capacidade de investigar, de actuar de acordo com a lei e de trazer à luz a verdadeira cara dos crimes que são cometidos contra a integridade das pessoas?

É vergonhoso que ao abrigo de um Estado de Direito se cometam, sem receio e sem pudor, crimes hediondos e se façam ameaças contra a liberdade da palavra e da manifestação pública de qualquer reacção contrária ao poder criminoso e corrupto que se instalou em Moçambique.

Estaremos a caminhar para a institucionalização do crime na nossa sociedade?

Se assim for, os grupos de criminosos terão condições para dominar o campo económico e político e o Estado Nacional e de Direito será carta fora do baralho no jogo pelo poder e na regulação da sociedade.

A nós cabe-nos encontrar as respostas para tão grande distorção de princípios e agir violentamente por actos e através da palavra contra aqueles que não a utilizam, actuam em silêncio e praticam a morte.

A ti, Cardoso, devemos o registo da manifestação do nosso repúdio e a denúncia da forma com que os grupos de criminosos agem, impunemente, na nossa sociedade sem a competência e a prontidão necessárias e a reacção punitiva adequada do poder político e da ordem policial no combate a estes actos. São vários os exemplos de criminosos que são levados a julgamento e a quem são atribuídas penas, mas não é garantido o seu cumprimento rigoroso como se a lei não passasse de “letra morta”.

Para tudo isto se exige uma explicação!

E é bem ao teu jeito que não nos vamos cansar de interrogar, impacientes na pesquisa das respostas:

E porquê tanta impunidade?

Quem são os senhores do crime? Quem os protege? Até onde vai o seu poder?

E tu, Cardoso, que crime denunciaste que levou à tua execução sem sequer seres julgado e defendido?

Onde ficou a confiança que em ti depositavam como jornalista conceituado e honesto? Desde quando sendo tu uma referência da informação da verdade como forma de combate à corrupção, te tornaste incómodo e um alvo a abater?

Que inversão de valores é esta onde o criminoso fica impune e quem denuncia o crime é executado?

Por isso é tempo de transformar a dor e as lágrimas numa força renovada que nos leve a questionar em que sociedade vivemos, a que tipo de poder estamos submetidos e que futuro queremos para as novas gerações.

Com a tua morte, o esquecimento pretendido deu origem à eternidade da tua presença entre nós.

Morreu o homem e nasceu o mártir.

Tuesday, November 22, 2005

Uma voz vinda do Brasil

Do Brasil o António Cipriano Gonçalves mandou o seguinte texto:

A corrupção em Moçambique: o problema da definição

Caros compatriotas!

Cheguei tarde ao debate, pois, vendo os posts, já percebo que muita tinta rolou. Mesmo assim, como moçambicano, os problemas de Moçambique me afetam, sobretudo no âmbito psicológico (não entrarei em detalhes). Por isso não deixarei de dar a minha contribuição.

Ao ler os comentários e reflexões em torno do texto escrito por Gilberto (o nosso querido Giba), e repassado por Mangue para o blog, veio-me à recordação os debates havidos durante a graduação em Filosofia no Centro de Estudos Superiores aqui em Belo Horizonte, na virada do século XX, nas disciplinas de Lógica, Filosofia da Linguagem e Teoria de Conhecimento, sob a perspectiva da virada linguística.

Parece-me que o mesmo problema se repete no presente debate, pois, acredito que boa parte de nós somos de formação clássica e andamos todos em volta do “picante” problema sobre o conceito e a coisa, com desdobramentos na definição seja essencial, ética ou prática.

A minha pergunta, meus caros compatriotas é: tem alguma relevância definir a corrupção para depois discuti-la? Será que o conceito de corrupção me leva ao fato, tal como Elísio Macamo sugere? E, por outro lado, apresentando os exemplos de corrupção nos levariam ao conceito de corrupção, segundo consigo depreender de um dos textos do Machado da Graça?

O problema, a meu ver, é linguístico e semântico ao mesmo tempo, e a não observância desse fato, é o que levou, se assim posso dizer, a babel linguística que se instalou no blog, paralisando, de certo modo, o debate. Digo paralisar, pois Macamo defende que, pelo fato de não se encontrar uma definição essencial do termo corrupção, conclui, abusando as normas da lógica formal, que não existe corrupção em Moçambique.

No entanto, tropeça no princípio de não contradição, pois, somente o fato de afirmar que “não existe corrupção”, admite que existe um conceito que responde por corrupção. O problema que Macamo não consegue perceber é a confusão entre o conceito e a coisa. Será que somente tendo claro o conceito, este nos levaria à realidade da corrupção? E para os casos da realidade em que não se enquadram no conceito? Macamo então refugia-se nas instituições, nas pessoas, em fim, na desresponsabilização pelos problemas.

O posicionamento de Macamo em nada difere de Sócrates na sua busca pela definição essencial: o que é conhecimento, pergunta Sócrates no Teeteto. Macamo, por sua vez, pede uma definição essencial da corrupção. Além de essencial, a definição que Macamo pediu também situa-se no âmbito ético, pois diz respeito à conduta humana na sociedade, vendo pelo ângulo do Machado da Graça. Este, quando dá exemplos de corrupção, sem delimitar o conceito, em última análise, faz o papel dos interlocutores de Sócrates que, através de vários exemplos, (nunca dizendo o que é), procura uma definição satisfatória de corrupção que todos possam usá-la para aprovar ou desaprovar certas condutas. O Mangue também não sai desse círculo.

O que se busca também, nesse debate em torno de uma definição essencial do termo corrupção é uma orientação prática. Mas o conceito não nos leva à coisa. Nem as ações que alguns entendem serem nocivas poderiam nos levar a uma essência da corrupção.

A continuarmos assim, não teremos êxito, pelas razões já presentes em vários textos publicados aqui no Blog. Entramos num desacordo moral, pois os significados do termos corrupção diferem em cada um dos intervinientes.

Dou um exemplo:

Um grupo de estudantes recém formados se prepara para ensinar filosofia. Decidiram-se, então, reunir-se para discutir questões básicas relacionadas com a futura atividade. Num primeiro encontro alguém apresenta a proposta de começar com a pergunta “o que é a filosofia?”. A maioria concorda, porque parace tratar-se de uma questão básica para quaisquer outras, por exemplo, como se deve ensinar. Mas após algumas horas de discussão, como nenhuma definição satisfatória foi encontrada, o grupo decidiu passar para outras questões, na esperança de que a resposta à pergunta fundamental surja em algum momento no futuro.

Este parece ser o nosso problema em relação à corrupção, guardadas as devidas proporções.

Mas o que será que esses estudiosos de filosofia não sabiam mas julgavam necessário saber? Certamente não era o significado da palavra filosofia e muitos menos exemplos claros de filosofia. Eles estavam procurando uma essência de Filosofia, ou um conhecimento reflexo do conceito , ou uma definição de Filosofia.

Perguntaria ao Macamo: existe uma essência da corrupção, ao pedir uma definição da corrupção, condição para que se possa falar dela em Moçambique? Como não teve êxito na definição, então, conclui que a corrupção não existe em Moçambique. O que Macamo pretendia era encontrar uma essência ideal de corrupção, para podermos distinguir entre exemplos mais ou menos perfeito de corrupção, tal como Machado da Graça coloca. A essência ideal teria, para Macamo, uma relevância prática. O problema, neste caso é semântico, isto é, o significado das palavras

Mas o que está em causa em toda essa discusssão? Não é jargão acadêmico e nem o academicismo, mas sim, o enfeitiçamento pela linguagem, o vício que tomou conta de nós: entendemos que uma discussão rigorosa é impossível sem definições exatas. Nesse entendimento, admitimos que se o significado das palavras que usamos é vago, também o pensamento será vago e impreciso.

No entanto, quero chamar a atenção para o fato de empregarmos conceitos imprecisos não nos autoriza a emitir atos de fala imprecisos. E, no caso de os significados das palavras serem demasiados vagos ou ambíguos, podemos recorrer à definição estipulativa, introduzindo significados que correspondam às nossas necessidades.

Este é o ponto de vista que defendo: abandonemos o projeto de uma definição essencial em favor da estipulativa. Assim, na discussão em torno da corrupção, uma vez estipulado os signficados da palavra, segundo as nossas necessidades de comunicação, havendo a concordância entre o uso estabelecido e o uso na ocasião, talvez evitaremos o enfeitiçamento, a babel linguística e manicômio. E também estejamos cientes que haverá fatos e realidades que não serão abrangidos pelos significados estipulados do termo corrupção. É o problema da linguagem!

Desculpem as minhas imprecisões, mas penso que o debate deve continuar. E o Machado da Graça, com a provocação sobre Carlos Cardoso, penso que está apostado na continuidade do debate.

Ciprix

Belo Horizonte, Brasil

Carlos Cardoso

Há 5 anos, aquela cabeça, que fervia a denunciar a corrupção no nosso país (coisa que, ao que parece, não existe), foi perfurada por balas de chumbo muito concretas.
Não foi nenhuma instituição que o matou. Foram pessoas. As instituições, na minha opinião, serviram apenas para tentar abafar o caso e impedir que o(s) criminoso(s) fosse(m) levado(s) para a cadeia.
Não sei se a indústria do desenvolvimento está entre os suspeitos do crime.
Mas de que assisti ao seu funeral, não tenho dúvidas. Ali, muito concretamente, no crematório hindu.
E, queiram ou não queiram, a verdade há-de vir ao de cima.
Não vamos esquecer-te, Carlos.
Não vamos parar a tua luta.

Machado

Thursday, November 17, 2005

Passo trocado

A frase do Elisio Macamo: "em suma, em minha opinião, não há corrupção em Moçambique" lembra-me uma história que o meu pai costumava contar.
Dizia ele que um casal assistia a um desfile militar em que o filho deles era um dos soldados. E o marido comentava para a mulher: "Vão todos com o passo trocado menos o nosso António!"
Pois o bom do Elisio Macamo é como o tal soldado António. Quando toda a gente está convencida que o país está roido pela corrupção ele acha que não há corrupção em Moçambique.
Honra lhe seja pela coragem de defender uma ideia tão heterodoxa.

Machado

Ainda a corrupção

Do Manuel Mangue recebi o seguinte texto:

“Mathlari hansi”, como seria no sul, o apelo pela calma.

Creio que num aspecto, o Machado tem razão. Quanto à corrupção, a tentativa do Macamo de definir “por exclusão”, não está a dar certo. Ou seja, ele já disse o que não era corrupção, negando, inclusive, os exemplos apresentados. Apresentou-nos uma outra seqüência lógica de factos em que também sugere não haver nisso corrupção, mas sim o “mau funcionamento das instituições” (o que eu já havia alertado quanto ao eufemismo); ou “... arranjos feitos com aqueles que podem tomar decisões [...] [ou ainda] estabilização das oportunidades de apropriação dos recursos externos”.

Assim sendo, perguntaria ao Macamo o que seria, então, corrupção.

Parece-me que quando iniciamos este debate, foram adiantadas algumas prováveis causas, nuances e possíveis soluções (partindo do princípio de que todos, de uma ou de outra forma, soubéssemos do que se tratava – o que não se mostrou verdadeiro), ao que foi-nos solicitada a definição. Porém, parece-me haver uma desconexão entre as respostas, porque, enquanto uns falam do que é, o outro fala do porque é!! há níveis distintos de debate.

Mas, chamou-me atenção o exemplo da unidade hospitalar apresentada num dos comentários pelo Muthisse. Como se combate aquela gorjeta?

Na verdade, quando apresentei a corrupção em pelo menos dois ângulos, tinha a intenção de evitar a generalização do fenômeno e, por conseqüência, a generalização das formas e ferramentas de combate, correndo o risco de promiscuí-las, usando “canhões para matar mosquitos”. Daí a importância de distinguir os vários níveis, fazendo-os corresponder aos respectivos “remédios” e, por sua vez, às respectivas “doses”.

A meu ver, nem todo o roubo é corrupção - embora toda a corrupção seja, em si, um roubo - visto que nem todo o acto de apropriação indébita perverte (embora comprometa) a lógica subseqüente (em relação à lógica ordinária). No entanto, o caso apresentado pelo Muthisse é um caso inequívoco de corrupção que estaria no primeiro ângulo por mim apresentado: situacional, esporádico e oportunista. As circunstâncias fazem a corrupção: atendimento deficitário; o aparecimento de um corruptor (no caso, o disposto a pagar); e o corrupto de plantão. É situacional porque já estavam muitos que também queriam atendimento e que, no entanto, não queriam ou, sobretudo, não tinham os referidos 75.000 Mt, até aparecer alguém que os tinha. Por outro lado, de uma ou de outra forma, “mal e porcamente”, as pessoas seriam atendidas. Essa possibilidade, de um atendimento, ainda é colocada (se for a tempo, em se tratando de um hospital).

Qual é a saída: sem dúvida, cabe um processo administrativo e outro criminal contra os envolvidos. Por vezes a troca do responsável pela “repartição” e punição exemplar dos envolvidos ajudam. Mas antes, é preciso estar-se certo de que o órgão de tutela ofereceu as condições próximas do ideal de trabalho. Há estudos confiáveis que determinam a proporção aceitável enfermeiro X paciente; médico X paciente (não sei se existem para as especificidades de Moçambique). Se não houver tais condições, uma semana depois ter-se-á que abrir novos processos, e não adianta trocar um diretor por outro (se não for para criar tais condições), seja ele “mão de ferro” ou não.

Deve ser um pouco mais complicado que isso. Mas, no momento, a minha intenção é mostrar também o outro lado; o outro ângulo, portanto, em que a situação (que se torna pré-estabelecida) determina que sem os referidos 75.000 Mt as pessoas não sejam atendidas. Isto é, estabelece-se uma espécie de “boicote moral” que força o atendimento mediante o pagamento de tal quantia (claro que esse valor seria só para os primeiros meses, porque apareceria um que buscaria novo privilégio e, com isso, estabeleceria novo patamar, 100.000Mt, e assim sucessivamente).

A lógica aqui passa a ser o aperfeiçoamento dos mecanismos de lentidão para “legitimar” a usurpação; aqui os funcionários é que são corruptores. Isto é, enquanto que no outro ângulo uns pagam para serem atendidos, aqui, os funcionários cobram para atender e, sobretudo, só se é atendido nessa condição. Por outra, fica difícil distinguir o corrupto do corruptor, uma vez que o corrupto hospeda em si o corruptor e vice-versa. As pessoas, por sua vez e de um modo geral, introjectam esse esquema. Não estar no esquema, passa a ser entendido como subversão.

Ou seja, um exemplo hipotético, em que uma instituição A estabelece uma série de procedimentos para se ter uma bolsa de estudos; procedimentos estes que implicam numa série de autorizações até ao chefe do sector de bolsas, que anunciará a falta de financiamento para tal. No entanto, no mesmo período que o indivíduo B, que reuniu tais autorizações e, não obstante, não obteve sucesso, sabe-se que um outro individuo, o C, que inclusive não pertencia à instituição, fora contemplado. Mais ainda, de todos os que usaram dos procedimentos ordinários, nenhum deles foi contemplado.

E aqui? Há que demitir o chefe do setor de bolsas? Mas o indivíduo C, o que conseguiu, é “chegado” do director da filial 3 da instituição!!...

Este caso (até mal contado por questões de preguiça, confesso) mostra o porquê do fracasso da “dança dos PCA’s”, na medida em que eles deixam ou são impedidos de ser indivíduos e passam a ser peças de engrenagens que movem o esquema de forma independente das pessoas (como indivíduos) que dele participam.

Descoberto este esquema (que é apenas estória hipotética, visto que não tem como ocorrer isso em Moçambique: qualquer semelhança, mera coincidência) não se podem aplicar as mesmas medidas do ângulo anterior. Não cabe um processo administrativo e criminal para um e para o outro, apenas. Enquanto que no outro, muito mal, mas ainda podem ser identificados procedimentos ordinários de atendimento, e de forma oportunista apareça o corrupto, neste último, é um caso de seqüestro moral e dos direitos dos indivíduos, na medida em que a forma ordinária não lhes serve para absolutamente nada.

Vejo a saída, na verdade, entre os “subversivos”. Sem dúvida são necessárias mudanças estruturais, que devem atingir não só o chefe do sector de bolsas, seu director, director da filiar 3, etc.

Enfim, acho que é preciso categorizar os vários níveis desses “atentados”, para se encontrarem as armas adequadas. De nada adiantam as generalizações quanto às causas e soluções. Se o contabilista ou o médico do hospital apropriou-se do dinheiro que não lhe cabia (sem ligação com o esquema de “lentidão deliberada” ou alguma outra lógica perversa – pervertida melhor dizendo), não serão necessárias reformas estruturais; revisão do código penal; reforçar os sistemas democráticos, etc. A “arma” ou o “remédio” é mais específico. Talvez, reunindo-os por níveis, dê para determinar o “remédio” e, dentro de cada nível, as “doses”.

Última questão, falou-se de se constituírem sistemas verdadeiramente democráticos (efectivos, sólidos, etc.). Acho bom. Mas, a meu ver, antes dos sistemas, os homens democráticos são melhores ainda (neste caso, a ordem dos factores altera o produto).

Texto do Manuel Mangue

O Manuel Mangue mandou o seguinte texto para o debate em curso:

“Mathlari hansi”, como seria no sul, o apelo pela calma.

Creio que num aspecto, o Machado tem razão. Quanto à corrupção, a tentativa do Macamo de definir “por exclusão”, não está a dar certo. Ou seja, ele já disse o que não era corrupção, negando, inclusive, os exemplos apresentados. Apresentou-nos uma outra seqüência lógica de factos em que também sugere não haver nisso corrupção, mas sim o “mau funcionamento das instituições” (o que eu já havia alertado quanto ao eufemismo); ou “... arranjos feitos com aqueles que podem tomar decisões [...] [ou ainda] estabilização das oportunidades de apropriação dos recursos externos”.

Assim sendo, perguntaria ao Macamo o que seria, então, corrupção.

Parece-me que quando iniciamos este debate, foram adiantadas algumas prováveis causas, nuances e possíveis soluções (partindo do princípio de que todos, de uma ou de outra forma, soubéssemos do que se tratava – o que não se mostrou verdadeiro), ao que foi-nos solicitada a definição. Porém, parece-me haver uma desconexão entre as respostas, porque, enquanto uns falam do que é, o outro fala do porque é!! há níveis distintos de debate.

Mas, chamou-me atenção o exemplo da unidade hospitalar apresentada num dos comentários pelo Muthisse. Como se combate aquela gorjeta?

Na verdade, quando apresentei a corrupção em pelo menos dois ângulos, tinha a intenção de evitar a generalização do fenômeno e, por conseqüência, a generalização das formas e ferramentas de combate, correndo o risco de promiscuí-las, usando “canhões para matar mosquitos”. Daí a importância de distinguir os vários níveis, fazendo-os corresponder aos respectivos “remédios” e, por sua vez, às respectivas “doses”.

A meu ver, nem todo o roubo é corrupção - embora toda a corrupção seja, em si, um roubo - visto que nem todo o acto de apropriação indébita perverte (embora comprometa) a lógica subseqüente (em relação à lógica ordinária). No entanto, o caso apresentado pelo Muthisse é um caso inequívoco de corrupção que estaria no primeiro ângulo por mim apresentado: situacional, esporádico e oportunista. As circunstâncias fazem a corrupção: atendimento deficitário; o aparecimento de um corruptor (no caso, o disposto a pagar); e o corrupto de plantão. É situacional porque já estavam muitos que também queriam atendimento e que, no entanto, não queriam ou, sobretudo, não tinham os referidos 75.000 Mt, até aparecer alguém que os tinha. Por outro lado, de uma ou de outra forma, “mal e porcamente”, as pessoas seriam atendidas. Essa possibilidade, de um atendimento, ainda é colocada (se for a tempo, em se tratando de um hospital).

Qual é a saída: sem dúvida, cabe um processo administrativo e outro criminal contra os envolvidos. Por vezes a troca do responsável pela “repartição” e punição exemplar dos envolvidos ajudam. Mas antes, é preciso estar-se certo de que o órgão de tutela ofereceu as condições próximas do ideal de trabalho. Há estudos confiáveis que determinam a proporção aceitável enfermeiro X paciente; médico X paciente (não sei se existem para as especificidades de Moçambique). Se não houver tais condições, uma semana depois ter-se-á que abrir novos processos, e não adianta trocar um diretor por outro (se não for para criar tais condições), seja ele “mão de ferro” ou não.

Deve ser um pouco mais complicado que isso. Mas, no momento, a minha intenção é mostrar também o outro lado; o outro ângulo, portanto, em que a situação (que se torna pré-estabelecida) determina que sem os referidos 75.000 Mt as pessoas não sejam atendidas. Isto é, estabelece-se uma espécie de “boicote moral” que força o atendimento mediante o pagamento de tal quantia (claro que esse valor seria só para os primeiros meses, porque apareceria um que buscaria novo privilégio e, com isso, estabeleceria novo patamar, 100.000Mt, e assim sucessivamente).

A lógica aqui passa a ser o aperfeiçoamento dos mecanismos de lentidão para “legitimar” a usurpação; aqui os funcionários é que são corruptores. Isto é, enquanto que no outro ângulo uns pagam para serem atendidos, aqui, os funcionários cobram para atender e, sobretudo, só se é atendido nessa condição. Por outra, fica difícil distinguir o corrupto do corruptor, uma vez que o corrupto hospeda em si o corruptor e vice-versa. As pessoas, por sua vez e de um modo geral, introjectam esse esquema. Não estar no esquema, passa a ser entendido como subversão.

Ou seja, um exemplo hipotético, em que uma instituição A estabelece uma série de procedimentos para se ter uma bolsa de estudos; procedimentos estes que implicam numa série de autorizações até ao chefe do sector de bolsas, que anunciará a falta de financiamento para tal. No entanto, no mesmo período que o indivíduo B, que reuniu tais autorizações e, não obstante, não obteve sucesso, sabe-se que um outro individuo, o C, que inclusive não pertencia à instituição, fora contemplado. Mais ainda, de todos os que usaram dos procedimentos ordinários, nenhum deles foi contemplado.

E aqui? Há que demitir o chefe do setor de bolsas? Mas o indivíduo C, o que conseguiu, é “chegado” do director da filial 3 da instituição!!...

Este caso (até mal contado por questões de preguiça, confesso) mostra o porquê do fracasso da “dança dos PCA’s”, na medida em que eles deixam ou são impedidos de ser indivíduos e passam a ser peças de engrenagens que movem o esquema de forma independente das pessoas (como indivíduos) que dele participam.

Descoberto este esquema (que é apenas estória hipotética, visto que não tem como ocorrer isso em Moçambique: qualquer semelhança, mera coincidência) não se podem aplicar as mesmas medidas do ângulo anterior. Não cabe um processo administrativo e criminal para um e para o outro, apenas. Enquanto que no outro, muito mal, mas ainda podem ser identificados procedimentos ordinários de atendimento, e de forma oportunista apareça o corrupto, neste último, é um caso de seqüestro moral e dos direitos dos indivíduos, na medida em que a forma ordinária não lhes serve para absolutamente nada.

Vejo a saída, na verdade, entre os “subversivos”. Sem dúvida são necessárias mudanças estruturais, que devem atingir não só o chefe do sector de bolsas, seu director, director da filiar 3, etc.

Enfim, acho que é preciso categorizar os vários níveis desses “atentados”, para se encontrarem as armas adequadas. De nada adiantam as generalizações quanto às causas e soluções. Se o contabilista ou o médico do hospital apropriou-se do dinheiro que não lhe cabia (sem ligação com o esquema de “lentidão deliberada” ou alguma outra lógica perversa – pervertida melhor dizendo), não serão necessárias reformas estruturais; revisão do código penal; reforçar os sistemas democráticos, etc. A “arma” ou o “remédio” é mais específico. Talvez, reunindo-os por níveis, dê para determinar o “remédio” e, dentro de cada nível, as “doses”.

Última questão, falou-se de se constituírem sistemas verdadeiramente democráticos (efectivos, sólidos, etc.). Acho bom. Mas, a meu ver, antes dos sistemas, os homens democráticos são melhores ainda (neste caso, a ordem dos factores altera o produto).

Wednesday, November 16, 2005

A ver se nos entendemos

Várias têm sido as intervenções à volta deste tema da corrupção e vou ver se toco nos pontos todos, embora, pelo tamanho e profundidade, os dois textos do Elisio Macamo (nos comentários ao meu anterior post e no novo texto) apareçam naturalmente com maior destaque.

E, para começar, gostaria que o Elisio Macamo deixasse de me atribuir opiniões que nada nos meus escritos justifica. Por exemplo a sua frase "na acepção bastante inflaccionária do termo corrupção preferida pelo Machado da Graça" é abusiva e despropositada. Era preferivel que o Macamo fosse à série de exemplos de corrupção que dei, há dias, e explicasse por a+ b a razão porque aquilo não é corrupção.
Talvez eu concorde com ele quando diz que no blog tem surgido uma "definição desajeitada de corrupção" se interpretarmos isso como uma auto-crítica.
Mas o Macamo refugia-se permanentemente nos terrenos da teoria fugindo do concreto como o diabo da cruz.

Eu creio que a questão mais pertinente foi colocada pelo Pinto Lobo. O problema são as pessoas. Porque todas as estruturas constituintes do sistema político são formadas por pessoas. Curiosamente pessoas pertencentes todas a um mesmo partido político.
Embora depois tenha emendado a mão o Elisio Macamo tinha afirmado que "as pessoas são o problema menor" ressalvando, com marotice, que se exceptuam as pessoas, como eu, que barafustam e gritam quando sentem que estão a ser roubadas. Pela lógica da frase estas últimas pessoas serão um problema maior. Também o Carlos Cardoso era um problema maior deste mesmo tipo...

Nas suas propostas, muitas das quais bastante válidas, o Elisio Macamo utiliza como sujeito da frase o "se" (não sei se isto é gramaticalmente correcto, mas não faz mal). Deve-se fazer isto, deve-se criar aquilo, deve-se influenciar neste sentido ou no outro.
Mas quem é esse se?

Falando de apelos morais, indignação e fatalismo o Elisio pergunta se devemos mudar os corruptos. Eu diria que não temos que mudar os corruptos, temos que constituir uma alternativa de não corruptos que possa substituir os corruptos. E,por alternativa, não estou a falar, lógicamente, da Renamo. Estou a dizer que é mais do que tempo que as pessoas honestas deste país se unam à volta de um projecto de cidadania que possa ser alternativa real aos que hoje nos desgovernam.

Numa parte do seu texto, particularmente desagradável, Elisio Macamo dedicou-se a atirar lama à dra. Isabel Rupia. Embora a conheça muitíssimo mal (estivemos uma vez numa mesma mesa redonda) e ela me não tenha passado mandato de resposta, sempre lhe direi que ela não foi assassinada mas sofreu um atentado de que escapou por a arma do bandido se ter encravado. E, segundo a imprensa, tinha preparados processos contra uma série de pessoas, incluindo ministros, ex-ministros e outras individualidades.
Só que, disseram-me ontem, foi posta a correr a tese de que a Unidade Anti-Corrupção não era legal e, consequentemente, os processos por ela preparados não podem ir para a frente.
Se este boato for verdadeiro, então o abandalhamento é total e sem ponta de vergonha.
Quanto ao facto de a UAC ser mais uma oportunidade de viver à grande, não sei que bases o Elisio Macamo tem para a afirmação. Eu ouvi falar de salários em atraso e falta de condições de trabalho, mas talvez eu esteja enganado.

E passo ao exemplo que o Macamo dá sobre a limpeza das ruas. Diz ele que os moradores têm que saber "quem é o responsavel pela limpeza e existem mecanismos para obrigar essa pessoa a fazer o que deve fazer".
Pois, no caso de Maputo, trata-se do Dr. Schwalbach. Que devemos nós fazer, então?

Em relação à falta de importância que os nossos impostos têm na economia do país, eu gostaria que o Macamo se esforçasse mais a defender essa tese a ver se o governo acaba de uma vez por todas com a obrigatoriedade do seu pagamento. A mim e à minha empresa eles pesam de forma insuportável.

Para terminar, diria que cada um de nós tem os seus fantasmas. O meu será a corrupção, o dele é a indústria do desenvolvimento.
Não me sinto suficientemente abalisado para comentar o fantasma dele. Muito do que diz faz sentido, embora não apresente alternativas.
Acho, no entanto, estranha a insistência com que ele procura voltar a meter na garrafa o meu fantasma. Fantasma que esteve muito tempo fechado mas que agora, totalmente documentado e com casos concretos, muito dificilmente se deixará engarrafar de novo


Machado

Novo texto do Elisio Macamo

Para além do comentário que colocou no meu anterior post o Elisio Macamo mandou mais o seguinte texto:


O combate à corrupção

E. Macamo

O Machado da Graça levantou uma questão muito pertinente sobre o destino que é dado aos impostos que ele, como cidadão consciente, paga. Ele não quer, e com toda a razão, que o seu dinheiro seja desviado por gente corrupta. O dinheiro que ele paga deve servir para melhorar as condições de vida gerais no País, única condição para que cada um de nós possa, de facto, alcançar objectivos individuais de forma lícita e justa.

Esta questão é pertinente porque nos remete para o verdadeiro problema por detrás da corrupção. Embora concorde com o Machado da Graça que não é nem correcto, nem justo, que se usem os impostos pagos pelos contribuintes para fins ilícitos e amorais, a maior tragédia em toda esta história reside no facto de que os impostos que cada um de nós paga em Moçambique são completamente irrelevantes para a estabilidade económica do país. Ao contrário de outras sociedades civilizadas, no nosso país a condição de contribuinte não nos confere nenhum protagonismo político. Moçambique não se reproduz a partir dos nossos impostos, mas sim a partir das rendas do auxílio ao desenvolvimento. Tal como acontece em países com uma forte dependência de rendimentos provenientes de um recurso natural – o petróleo, por exemplo – muitos dos problemas que temos resultam das deficiências do sistema de representação.

O Severino Ngoenha diz que o nosso sistema político não opõe partido no poder a partidos na oposição, mas sim classe política nacional e indústria do desenvolvimento. A corrupção de que tanto falamos – e conforme tentei explicar no artigo recentemente reproduzido aqui no blog – é a resposta do nosso sistema político e económico à presença desta oportunidade de apropriação de recursos sem referência ao jogo político normal. É daí que muitas vezes é fácil simplesmente co-optar os que reclamam muito. Arrisco-me aqui a aventar uma hipótese feia: se a corrupção fosse o bicho que dizem ser, a senhora que esteve à frente da Unidade Anti-Corrupção teria sido morta – pelo barulho que fez – ou teria apresentado casos sérios. Nada disso aconteceu e suponho que a razão tenha sido o facto de que muitas das coisas atrás das quais ela corria, não eram o que ela pensava que fossem. Era o mau funcionamento das instituições. A própria Unidade Anti-Corrupção era uma resposta a isso, isto é, também uma oportunidade para viver à grande (e não à custa dos nossos impostos que estes são totalmente irrelevantes).

Por isso volto a insistir: o nosso sistema político está doente, é ele que deve ser reformado. Alguns já me perguntaram como, se posso dar alguns subsídios. A democracia não é coisa fácil para uma sociedade como a nossa, onde há ainda muito espaço para consenso entre os vários grupos sociais. Suponho que a democracia, no Ocidente, tenha sido uma resposta ideal para conflitos entre grupos sociais que não tinham outra maneira de se articular de forma não violenta que senão pela transparência e legalidade.

Infelizmente, no nosso país, a democracia só tem lugar no interior de um único partido político, a Frelimo, o que atrofia, naturalmente, a esfera pública. Enquanto for possível fazer arranjos dentro da Frelimo, continuaremos a ter esta tendência de reproduzir um sistema político e económico que reage à presença do auxílio ao desenvolvimento. Para isto acontecer, não é necessário que a malta da Frelimo teça malhas de conspiração entre si. O único que é necessário é que cada um de nós responda ao seu instinto individual, que cada um de nós, enfim, faça o que está ao seu alcance para tirar proveito da actual situação. O resto segue: o mundo de negócios não se reproduz através da concorrência sã dentro dos limites marcados pelo mercado, mas sim com base nos arranjos feitos com aqueles que podem tomar decisões; da mesma maneira, o sucesso da política não se mede pelos resultados realmente alcançados, mas sim pela estabilização das oportunidades de apropriação dos recursos externos. Tudo isto acontece dentro dum clima perfeitamente legal em que os casos de roubos são raros.

Isto significa que uma das nossas prioridades deve ser a diversificação da esfera pública: devemos convidar os outros partidos políticos a articularem interesses sociais; devemos convidar a Frelimo a ver mérito numa estratégia de democratização real da sociedade; devemos criar organismos de defesa dos direitos do consumidor – que poderiam organizar boicotes contra instituições que funcionam mal, contra empresas que prestam maus serviços, etc.; devemos tornar claro aos vários grupos sociais que existem na nossa sociedade que alguns dos seus interesses são melhor protegidos numa esfera pública transparente, dentro de um clima de legalidade; devemos, inclusivamente, recorrer à desobediência civil em nome da responsabilização dos decisores políticos. O homicído praticado contra o chefe da cadeia da Machava, por exemplo, devia ter custado o emprego ao Ministro do Interior ou à Ministra da Justiça. Nenhum deles é corrupto, como muitos que gostam deste termo iriam logo dizer. Eles estão a trabalhar dentro de sistemas com procedimentos pouco claros, onde as responsabilidades provavelmente não são claras e onde não há critérios de avaliação de desempenho. Na acepção bastante inflacionária do termo corrupção preferida pelo Machado da Graça, tudo isso é corrupção. E considero essa maneira de ver as coisas muito problemática.

Devemos insistir num sistema político que devolve a responsabilidade pelas coisas às pessoas. O sistema de governação que temos, que prevê governadores provinciais nomeados pelo Presidente da República é mau. Para além de que essa instância é completamente desnecessária, ela asfixia o impulso de responsabilização que poderia existir se as pessoas fossem encorajadas pelo sistema político a zelarem por si próprias. Enquanto o nosso sistema político não conseguir devolver a responsabilidade pela limpeza de um bairro aos moradores desse bairro, será difícil criar essa cultura de responsabilidade. A responsabilidade não significa, neste caso, que as pessoas devem limpar as suas ruas. Significa apenas que deve estar claro para todos quem é o responsável pela limpeza e que existem mecanismos para obrigar essa pessoa a fazer o que deve fazer.

É por esta e muitas outras razões que considero problemática a insistência na corrupção, pois passa vista grossa à enormidade dos problemas que temos. É por esta razão que penso que temos a obrigação de insistir em definições apoiadas num jargão académico que não procura simplificar as coisas só porque “tudo está claro” e porque devemos “deixar de chavões”. A minha observação, segundo a qual as pessoas seriam de menor importância é, neste sentido, infeliz, pois de facto quem deve fazer as coisas são as pessoas. Queria apenas chamar atenção aos aspectos estruturais que parecem desaparecer das nossas considerações e mostrar que o problema é muito mais complicado do que pensamos.

Só mais uma coisa: ao abordarmos o sistema político devemos resistir à tentação de aceitar financiamentos da indústria do desenvolvimento, pois esse será, de novo, o princípio do fim...

Tuesday, November 15, 2005

De volta à corrupção

O Elisio Macamo respondeu-me, nos comentários ao post anterior.
Eu, como continuo a achar que textos mais desenvolvidos devem ser publicados como posts, respondo-lhe aqui.
Portanto, leitor, vá primeiro aos comentários anteriores, até porque há lá mais opiniões interessantes e curtas.

Passando agora ao texto do Macamo.

É claro que eu estava a ferver no meu canto, ao longo do debate, porque, para mim, a questão da corrupção traduz-se, na prática, no roubo do meu dinheiro. Do dinheiro que me custou a ganhar e entreguei ao Estado, sob a forma de impostos.
E entreguei-o para ter boas estradas, boas escolas, bons hospitais. Não foi para ver esse dinheiro ser desviado para bolsos privados e utilizado na vida luxuosa de um bando de ladrões.
Não quero que o meu dinheiro vá para tapar os buracos do Banco Austral, do BCP e da Segurança Social, para não falar dos desvios que os jornais anunciam diariamente.

O Elisio Macamo deturpa o que eu digo através da generalização abusiva: O Machado acha que corrupção é tudo quanto não está bem.
É claro que não é isso que eu digo e o Macamo sabe-o perfeitamente.

Igualmente deturpa o meu pensamento a respeito da utilização do jargão académico. Pois se abri este blog onde o tal jargão é o que mais aparece!
O meu problema é quando vejo esse jargão a ser utilizado não para nos ajudar a pensar melhor mas, pelo contrário, para tornar impenetrável aquilo que, na verdade, é cristalino.

Diz ele que a prioridade não deve ser o combate à corrupção mas sim a reforma do sistema político para que haja cultura de responsabilidade e os procedimentos se tornem transparentes.
Mas como é isso possivel estando a totalidade do poder político nas mãos de um partido que não mostra, na prática, nenhuma vontade política nesse sentido, pelo contrário continuando a deitar a capa protectora do silêncio cumplice sobre os seus membros criminosos?

Diz o Macamo que, nos Estados Unidos, abandonaram a estratégia de combate à corrupção. Então porque será que, não há muitos meses, vi fotos de PCAs de algumas das mais importantes empresas americanas, algemados, a entrarem na cadeia? E nós, já tivemos algum caso?

É muito possivel que o primo de quem decide seja o melhor candidato. Mas tem que o provar, de forma transparente e não ser nomeado, às escondidas, por um despacho do primo poderoso, como acontece agora, na maior parte dos casos.

Não acho, claramente, que a corrupção seja um aspecto menor a ser atirado para um plano subalterno das nossas preocupações.
Pelo contrário penso que a corrupção é uma entidade parasita que está a sugar a riqueza do país em beneficio de uma camada.

E acho que isso tem que acabar. E só acaba quando os primeiros corruptos forem condenados a pesadas penas de cadeia.

Machado

Monday, November 14, 2005

Corrupção e jargão académico

Tenho estado aqui, no meu canto, calado, a assistir ao debate académico sobre a corrupção. Mas gostava de também dizer alguma coisa.
E isso porque estou a notar uma tendência para, à custa de jargão académico, se procurar insinuar que a corrupção não existe ou, se existe, não é importante para o debate nacional neste momento.
Ora eu penso exactamente o contrário.

O que está a acontecer é como se pegássemos na simples expressão 2 + 2 = 4 e a embrulhássemos em muitas palavras ( onde não poderiam faltar: Paradigma, epistemológico, orgânico e outras idênticas) para esconder a simples verdade que nos mostra que, se juntarmos duas mangas a outras duas que já temos, passamos a ter quatro mangas.

A verdade é que não acredito que os ilustres colaboradores do blog não saibam, claramente, o que é a corrupção e os males que ela representa para o país. Mas, para que não digam que não se responde à pergunta, aí vão alguns exemplos:

. Corrupção é estar num lugar de poder e, tendo que escolher entre duas possibilidades, se escolhe uma, não porque é a melhor para o país, mas porque se recebeu, por baixo da mesa, dinheiro para isso.
Por exemplo, escolher o empreiteiro X em vez do Y, que mostrava melhores qualidades.
Ora o dinheiro recebido não vai diminuir os lucros do empreiteiro, vai diminuir a qualidade da obra, assim prejudicando o país.
Ou, em alternativa, vai aumentar o preço da obra, fazendo com que o estado fique com menos dinheiro para fazer outras obras.
Acho que este é o tipo de corrupção predominante no país, em que quem detém o poder político o usa para fazer este tipo de exigências. Diria que a maioria das fortunas/relâmpago foram feitas por este caminho.

. Corrupção é, podendo decidir quem vai gozar de bolsas de estudo, escolher os seus parentes e amigos, todos com boas condições económicas, em vez de estudantes com valor mas sem dinheiro para continuar os estudos.
Com isso se faz um favor à família mas se prejudica o país, que perde a possibilidade de ter novos quadros de valôr.

. Corrupção é ter o poder para usar bens do Estado, destinados a ser usados em proveito do país, e usá-los para fins pessoais, sejam posteriormente repostos ou não.

. Corrupção é ter autoridade para punir crimes e não o fazer, mesmo tendo provas contra os criminosos, por estes serem amigos, familiares ou camaradas. Ou, pura e simplesmente, a troco de dinheiro.
Com isso se cria um clima de impunidade generalizada que passa a ser a regra geral e distorce completamente o sentido de justiça no país.

. Corrupção é fazer um cidadão andar meses a correr para uma repartição à procura de um determinado documento sem que os funcionários o consigam encontrar para, mediante um suborno, o documento aparecer imediatamente.
Os prejuizos desta prática para o país são óbvios.

. A corrupção está bem clara na frase: O cabrito come onde está amarrado. Nela se diz que uma pessoa não está num determinado cargo para trabalhar e servir o público. Está ali para se servir a si próprio de todos os benefícios a que conseguir deitar a mão. Legal ou ilegalmente.
Por exemplo, privatizar um prédio, pertencente ao Estado, a favor de um seu familiar, por preço abaixo sequer do simbólico, ou subir o seu próprio vencimento para três ou quatro vezes mais do que ganhava o anterior detentor do cargo.
E isto, ao esvair os bens do Estado para proveito particular, diminui a riqueza nacional.

Tudo isto existe, entre nós, em grandes quantidades e é uma forma de retirar dos cofres de todos nós quantias fabulosas que encontram, depois, caminho para bolsos privados. De uma forma geral para os bolsos de quem tem o poder de decidir, porque detém o poder político.

E tentar negar estas coisas e a sua enorme gravidade para o país é, apesar de todo o palavreado académico, tentar tapar o sol com a peneira. Ou, nos casos mais graves, tentar atirar-nos com poeira para os olhos.

Machado

Friday, November 11, 2005

Corrupção

Estive dois dias sem acesso ao blog mas, graças a S. Billy Gates, a situação melhorou.
Entretanto recebi o seguinte texto do Elisio Macamo. O próprio autor o considera como uma provocação. Sintam-se provocados:

Corrupção e desenvolvimento

Elísio Macamo

O silêncio que se abateu sobre o “blog” após a minha pergunta sobre o que é corrupção em Moçambique é interessante. Ou melhor, interpreto-o assim. É possível que haja outras razões para esse silêncio. Se calhar estão em exames ou ocupados a escrever novas opiniões para voltar a dar vida à esta página. Espero que seja isso mesmo.

De qualquer maneira, interpreto o silêncio como sendo interessante porque algo me diz que tem a ver muito com a pergunta. Todos sabemos o que é a corrupção até alguém nos pedir para a definirmos. Aí começam os problemas. De repente, aquelas coisas todas que interpretávamos como corrupção começam a ficar tremidas. Afinal, aquele ministro ricaço pode ter ganho lotaria; se calhar a criação de patos dá mesmo tanto dinheiro; quem sabe, não desapareceu realmente nenhum dinheiro do projecto não-sei-quantos, o que aconteceu foi apenas que o projecto foi mal concebido, mal gerido, etc. Em suma, de repente podemos nos dar conta de que, afinal, estamos apenas a utilizar a palavra corrupção como abreviatura para tudo quanto consideramos mau, não sabemos explicar, mas queremos de alguma ou de outra maneira perceber. Queremos, sobretudo, explicar o que não percebemos porque temos esta mentalidade profundamente supersticiosa que nos obriga a encontrar explicação para tudo. Mesmo ao preço de uma má explicação. Estou a exagerar, a ser injusto, generalizar, etc. Sei muito bem.

Sempre me opus à forma como discutimos a questão da corrupção no nosso País por uma razão muito simples: Nunca cheguei a perceber a utilidade analítica dessa discussão. O que mais me incomoda nessa discussão é que no final de todas as contas fala-se de integridade, como se a questão se resumisse – como bem diz Gabriel Muthisse – à degeneração moral da sociedade. A corrupção não é o problema que pensamos ser, mas mesmo assim devemos ficar preocupados. É um problema relacionado com o funcionamento das instituições, com a capacidade dos funcionários públicos de realizarem (tecnicamente) bem o seu trabalho, portanto, a sua formação, o seu brio profissional bem como o contexto jurídico em que eles trabalham. Aquilo que muitos de nós chamam de corrupção é muitas vezes o resultado da incapacidade do nosso País de fazer o tal desenvolvimento que dele se espera. Na verdade, para se desenvolver o nosso País precisava de ser já desenvolvido porque essa tarefa é tão complicada que ultrapassa as capacidades de um país como o nosso.

E é aqui onde, para mim, reside o problema. O “desenvolvimento”, isto é os projectos, as ajudas, os seminários, os reforços orçamentais, os mega-investimentos, etc., etc., chega ao nosso País em forma de rendas. Não sei exactamente se essas rendas produzem grupos de pessoas que se especializam na sua extracção, mas a verdade é que uma boa parte do nosso sistema político e do nosso sistema económico começa apenas a responder à presença dessas rendas. Roubos directos como os que aconteceram no BCM são uma excepção. É um pocuo o que escrevia Joseph Hanlon quando dizia que a nossa classe política aprendeu a dizer aquilo que a indústria do desenvolvimento quer ouvir. É isso mesmo. Não roubam, respondem apenas à presença da indústria do desenvolvimento. Na verdade, o que tem acontecido é que há uma espécie de agregação de reacções individuais à situação – que eu chamaria de lógica situacional – que torna a reprodução dos sistemas políticos e económicos dependente da extracção desta renda. A argumentação é um pouco marxista, mas não vejo, em princípio, nenhum mal nisso. Pelo menos ajuda-me a perceber a coisa.

Portanto, a renda extraída do “desenvolvimento” circula dentro de um grupo quase fechado de indivíduos que inclui políticos – governo e oposição – mundo de negócios através, por exemplo, de outorgação de contractos, sociedades, etc., e, naturalmente, vai para o consumo, um consumo muitas vezes conspícuo – como diria um sociólogo americano Thorsten Veblen e que Mia Couto ecoa muito bem nos seus “Sete sapatos sujos”. A circulação de rendas cria laços orgânicos entre os que beneficiam de tal maneira que tem um alto potencial de co-optação sem, contudo, produzir uma acção concertada como alguns de nós muitas vezes costumam supor. Funciona um pouco como aquilo a que Mangue se referia quando apelava para que recusássemos o conforto de soluções rápidas sempre que isso implicasse ir contra as regras de funcionamento de uma instituição: de cada vez que queremos ser membros de uma delegação para o exterior, sermos convidados a um seminário, ganharmos uma consultoria, sermos convidados a integrar o conselho de administração de uma empresa, sermos nomeados directores, tirar o passaporte, arranjar emprego para o primo ou sobrinho, etc. contribuimos, inadvertidamente, para transformar os nossos sistemas políticos e económicos em artefactos da intervenção externa. É às rendas que eles passam a reagir e não às necessidades de realmente desenvolver o País, seja lá o que for que isso significa.

Os economistas aqui me podem ajudar. Suponho que um dos efeitos nefastos desta situação seja o atrofiamento da concorrência, uma vez que os agentes económicos conseguem quase tudo que querem através dos laços que mantéem com os decisores políticos. Os preços sobem e descem ao sabor da vontade dos comerciantes, muitos dos quais metem os produtos sem pagamento dos devidos impostos. Não é, portanto, a corrupção que faz com que não haja investimento – ou que o investimento seja pouco – mas sim a falta de procura interna que poderia estimular a actividade económica. Do ponto de vista político o grande efeito é que nenhum partido político, nem mesmo a Frelimo, é capaz de produzir uma filosofia política capaz de servir de fio condutor à sua intervenção pública. A maior preocupação estratégica da Frelimo – que é legítima numa perspectiva individual, mas devastadora para a saúde do País – é de tornar a oposição irrelevante. A oposição, sobretudo a que é representada pela Renamo de Afonso Dhlakama, ajuda a Frelimo exigindo condições especiais para si própria – cimentando dessa maneira a subserviência à lógica das rendas – e, sobretudo, com a sua incapacidade de articular interesses sociais claros. Num País onde o desemprego é um grande problema e as condições laborais são uma grande lástima é estranho que o principal partido de oposição não consiga se afirmar como defensor desses interesses. A oposição perde mais tempo com discursos regionalistas muito fáceis de integrar na acção política dos que hoje deteem o poder político e, por via disso, inutilizar.

Qual é a solução? Não sei, ou melhor, há várias. Uma seria de parar completamente com o auxílio externo e obrigar a classe política – e isto inclui o governo, a oposição, os sindicatos, as organizações não-governamentais – a procurar no País as soluções para os problemas do País. Isso, como é mais do que óbvio, nunca vai acontecer. A própria indústria do desenvolvimento passou a depender tanto de “dar ajuda” que se não pode permitir o luxo de parar. A outra solução seria de encontrar maneiras de tornar o nosso sistema político mais democrático do que é agora para permitir que haja realmente debate de ideias. Pessoalmente privilegio esta solução. Enquanto o debate de alternativas de governação ocorrer só no interior da Frelimo, enquanto não houver espaço de articulação de conflitos fora da Frelimo e enquanto o melhor que a nossa oposição tiver a oferecer for o triste espectáculo do líder da Renamo e “intelectuais” que só falam de ladrões, de regionalismo, de transformação de bandidos em “heróis nacionais” (Matsangaíssa) teremos muitas dificuldades em eliminar a pobreza.

Guebuza tem razão quando insiste na ideia de que o nosso maior desafio é o combate à pobreza. Tem razão sobretudo porque tira as nossas atenções da chatice que é o tema corrupção. O grande problema que ele tem em mãos, contudo, é que a pobreza não se vai combater com o aumento da produção e com a moralização da função pública. A pobreza vai se eliminar a partir do momento em que ele reconhecer que o nosso sistema político é deficiente e que precisa de se livrar da teia insidiosa do auxílio ao desenvolvimento. Como isso vai ser feito no concreto, não faço a mínima ideia.

Saturday, November 05, 2005

Debate

Para os visitantes mais distraídos chamo a atenção para o interessantíssimo debate que vai nos comentários ao post anterior.

Machado